Educamos sobre Integridade Académica?

 

O Capítulo 1 elabora mais concretamente sobre o seguinte:

  • 1.1. Os Códigos de Integridade Académica são textos fundamentais de definição de princípios e regras com relevo na promoção da normalidade da vida académica. Deverá cada instituição elaborar o seu próprio ou seria desejável criar-se um documento global, de âmbito nacional, pertença de todas as instituições de Ensino Superior e por elas elaborado?
  • 1.2. Os Códigos de Integridade Académica são textos fundamentais de definição de princípios e regras com relevo na promoção da normalidade da vida académica. Deverá ser o seu conteúdo generalista, descrevendo apenas os conceitos fundamentais, ou ser documento mais detalhado especificando e alertando para as falhas e erros mais prevalentes?
  • 1.3. De modo a garantir a sua leitura e interiorização deve o conteúdo do Código de Integridade Académica ser objecto de avaliação nas unidades curriculares que mais directamente abordam a ética e a moral, e em particular as localizadas no início dos respectivos cursos?
  • 1.4. Plágio. Há uma preocupação em alertar os alunos para o problema do plágio e suas consequências? Há ensino específico sobre referenciação, sobre “plágio inadvertido”, sobre uso correcto da informação disponível na Internet? 

 

Contributos

A Objetividade dos Códigos de Integridade Académica

Por definição, um código de integridade (ou de conduta) tem uma vocação universal, i.e., deve esclarecer, orientar e regular as atividades e o comportamento de uma comunidade de referência composta por indivíduos e grupos. Para que se efetive, as suas determinações normativas devem estar acessíveis e ser compreensíveis por todos. Esta dupla condição exige que as normas e regras estabelecidos sejam, em certo sentido, objetivas. Com respeito à fraude académica isto significa que suas disposições se devem adaptar a uma variedade considerável de disciplinas, metodologias e padrões, sendo que essas mesmas singularidades podem estar subsumidas em disposições normativas gerais sob a forma normas, regras ou deveres práticos.

A interrogação que dá título a este capítulo - Educamos objetivamente sobre Integridade Académica? - encerra uma ambiguidade produtiva. Por um lado, ela pode ser lida como questionando se (nós) objetivamente educamos sobre integridade académica, se o fazemos mesmo desse modo. Por outro, pergunta se é possível (e se devemos) fazê-lo com objetividade, i.e., excluindo ou circunscrevendo fatores subjetivos. 

Este desdobramento da questão suscita uma reflexão sobre a objetividade. O facto de as disposições do código deverem ser objetivas não deve invalidar que as mesmas sejam o produto de uma tradução de valores e compromissos éticos nem tampouco das boas práticas já instituídas numa comunidade ou instituição. Dir-se-ia que nesses reside o “espírito das leis” que venham a plasmar-se no código. No mesmo sentido, as disposições de um código de índole ética devem estar abertas a reformulação por força da evolução das práticas, dos desafios e problemas, constituindo-se como um dos instrumentos de consciencialização. Deve notar-se também que a objetividade do código guia-se por distinções binárias, mas não fecha inteiramente a sua interpretação, por parte dos agentes e pelas instâncias que reforçam o código. Quer isto significar que fatores subjetivos e intersubjetivos participam da feitura, instrução e interpretação/aplicação do código de integridade.

por Cláudio Alexandre S. Carvalho

A Fraude Académica

Toda e qualquer adesão formal ou informal a um código de índole ética deve ser livre e, idealmente, esclarecida quanto ao modo como um determinado documento codifica as valências e debilidades de uma comunidade através de operadores modais: deve-não deve; pode-não pode; obrigatório-não obrigatório. Essa condição sine qua non de todos âmbitos do código (relativos às regras de interação e aos deveres inerentes a um papel particular em cada contexto) torna-se mais pertinente quando consideramos o conceito de fraude académica, uma vez que o mesmo implica sequências de decisões e ações de tipo voluntário. Ainda assim, o código é um ponto de chegada, um auxílio para a clarificação do que foi identificado como problemático por via de observação (efetiva ou tematizada) de incorreções e/ou injustiças. A meu ver, a fraude académica tem dois níveis que frequentemente se sobrepõem: o instrumental e o relacional. O instrumental, é relativo ao bem-fazer num contexto determinado regulado por expectativas, sendo inócuo para terceiros. Um segundo é relacional, implica não prejudicar ou desrespeitar outros. Penso que, só em situações muito particulares encontramos formas instrumentais de fraude que não impliquem a quebra de confiança, a vantagem indevida e a instrumentalização dos outros. Promover o reconhecimento dos aspetos relativos ao bem-fazer e à relação com os outros, também na sua face positiva, permitirá a identificação do que consta como fraude. Adotando uma metáfora médica diria que, mesmo não inoculando o organismo, tais medidas permitirão o reconhecimento dos agentes nocivos. É também desse modo que se escapa às alegações mais comuns: o desconhecimento das regras, o Così Fan Tutti e o relativismo. A convicção socrática de que o conhecimento do bem desencadeia necessariamente ações boas terá sempre como requisito uma pedagogia ideal, quiçá impossível ou mesmo indesejável (se atentar à liberdade individual ou à diversidade de conceções do bem). Essa pedagogia estará sempre à mercê da fraqueza da vontade, da cultura do facilitismo ou do ímpeto competitivo.

por Cláudio Alexandre S. Carvalho

Proponho que pensemos a fraude académica a partir de outra perspetiva que não a dos ilícitos – a da fraude da democratização do ensino superior ou, mais rigorosamente, a fraude de que “a universidade é para todos”. Este princípio consubstanciou-se no fraudar da ideia de Academia como comunidade de estudiosos. A universidade é para quem busca conhecimento; para quem quer colocar questões e procurar respostas; para quem quer ser estudante e aluno, sabendo o que isso significa. 

Mais: quando na prática docente me deparo com o nível zero de literacia e a ausência de conhecimentos mínimos da gramática da língua portuguesa, não posso deixar de perguntar no que se transformou a academia; no que permitimos que se transformasse. 

Ana Leonor Morais Santos, UBI

Como docentes podemos estar a contribuir para a banalização das tentativas de fraude na avaliação?

A minha, já longa, experiência docente em unidades curriculares da área de Matemática para cursos de Ciências Sociais e Humanidades, Ciências Exatas e da Engenharia ou Ciências da Vida e da Saúde vem reiterando algumas constatações: os alunos, na generalidade, estudam a resolver testes de anos anteriores (pedem que disponibilize o maior número possível destes, deduzo que devem até ter uma base maior do que a minha e a partilham nos núcleos) e as dúvidas que colocam limitam-se a questões destes testes.

Por mais que vezes que repita que podem observar que os testes são sempre distintos quer na estrutura, quer no tipo de problemas, que não se trata de substituir números em enunciados, por mais testes que disponibilize, o alarme só soa quando sentem as dificuldades nos seus próprios testes. São muitos anos de escolaridade a verem testes e exames com perguntas repetidas para acreditarem na capacidade infinita de imaginar novas formas de fazer perguntas que os ponham a pensar sobre os mesmos conteúdos fundamentais.

Claro que quem memoriza rotinas para resolver problemas repetidos não estuda para aprender a pensar ou com gosto em aprender. E quando a rotina “se apaga” no momento da avaliação, pelo stress do vazio no seu significado, parece natural recorrer a uma ajuda não permitida.

Costumo orientar as unidades curriculares de forma a que os alunos possam descobrir o prazer de construir as ferramentas matemáticas e descobrir as propriedades que tão úteis se revelam na resolução dos problemas das suas áreas, pretendendo deste modo surpreendê-los com esta razoabilidade da Matemática. Uma minoria desperta para esta atitude e são esses que melhor instalam as suas próprias rotinas e atalhos, manuais ou informáticos, como “utilizadores de Matemática”.

Talvez seja mais eficaz conversar regularmente com os alunos sobre atitudes de aprendizagem e não proporcionar sucesso com repetição sem conhecimento do que a prescrição de uma lista de deveres. Como mãe sei que qualquer código de conduta na cabeça do meu filho será o resultado de um esforço diário e contínuo de todos os que o rodeiam. Como mãe e docente também sei que quando a conversa e o exemplo não são suficientes, há medidas dissuasoras eficazes. Partilho uma que deu bastante resultado num determinado curso durante uns tempos: nos critérios de avaliação da ficha da unidade curricular constava que qualquer tentativa de fraude, mesmo que não seja bem sucedida, implicava a reprovação imediata na disciplina. Concomitante com a vigilância efetiva nos momentos de avaliação, funcionou bem pois “nem para o teto olhavam”, mas aviso que algumas comissões de curso podem ficar muito indignadas.

Helena Ferreira, UBI

Fatores Sistémicos da Fraude

Como docente e orientador de trabalhos de dissertação e relatórios de estágio procuro ter a preocupação em informar devidamente os alunos das regras de citação das fontes bibliográficas, apelando para a necessidade de a escrita ser um processo pessoal, construtivo, e que respeite o uso das informações pesquisadas. No entanto, tal como acontece noutros campos, a informação e o conhecimento, só por si não são os aspetos chave da mudança comportamental. São naturalmente importantes, mas provavelmente não decisivos. Talvez seja um lugar comum dizer isto, mas, como comentário pessoal, parece-me que a atitude subjacente ao plágio é reflexo do modo de vida atual, para o qual, nós professores também significativamente contribuímos, quer seja de forma deliberada ou não.
Refiro-me de forma concreta ao facilitismo e à receita/cópia, realidades marcantes nos tempos modernos e que curiosamente são intrínsecos à atitude de quem plagia. A exagerada importância que se tem dado a metas, objetivos, financiamentos e estatísticas tem conduzido a uma perceção distorcida sobre os valores da exigência e da dignidade do trabalho, transmitindo-se por vezes a ideia falsa que se consegue progredir nos estudos ou na vida pessoal sem se assumir por completo as dificuldades, os custos e mesmo as desilusões associadas a qualquer percurso. Por outro lado, há enormes dificuldades para que os sistemas de ensino/formação promovam a iniciativa pessoal, a criatividade e mesmo a possibilidade de falhar, apostando-se muito ainda em modelos que valorizam a cópia daquilo que resulta ou que aparentemente teve sucesso. Pessoalmente, entendo que se este panorama global não se alterar de forma significativa, é provável que a atitude de quem plagia irá continuar a subsistir e não existirão regras nem penalizações a montante que possam resolver o fundo da questão.

por Rui Brás (UBI)

Sendo certo que a fraude tem a sua ocasião na deliberação individual, torna-se ainda assim evidente que determinadas atividades têm riscos sistémicos que a propiciam. Mesmo que se considere que os mesmos não mitigam a responsabilidade individual de alunos, investigadores e professores, é crucial que tais fatores sistémicos sejam considerados. Esses assumem frequentemente a forma de duas categorias maiores de “stressores”: produtividade e resultados. Tais “stessores” estão presentes logo nas primeiras fases de formação propiciando a cópia, a compra de trabalhos de investigação e ensaios, mas também o recurso a psicotrópicos de otimização/melhoramento cognitivo. É aqui urgente que as disciplinas responsáveis por incutir metodologias do estudo/trabalho científico sejam capazes de evidenciar os efeitos nefastos de tais expedientes no curto, médio e longo prazo.

Com variações entre áreas científicas, a correlação estrita entre os índices quantitativos de produtividade (índices estatísticos), em publicações diferenciadas (mas não só), e o prestígio científico, é a consequência da globalização do “sistema social ciência”. Ela encontra denominadores comuns que devem permitir o cômputo da valia de investigadores, grupos, departamentos e universidades. Decorre da evidência histórica de uma relação forte entre competição e avanço científico. A meu ver, a competição é um facto das sociedades humanas e não é, em si mesma, negativa, baseando-se em aspetos basais da motivação humana. Contudo, a competição deve ser regulada, nomeadamente no sentido de preservar a componente qualitativa dos trabalhos (problema candente na área das ciências sociais e humanas), a transparência do processo de investigação e produção de resultados, bem como a troca de ideias. Sem acautelar os propulsores da fraude -sendo o plágio, as citações falsas e a fabricação de resultados os seus efeitos mais flagrantes- corre-se o risco de privilegiar somente os aspetos formais/externos da investigação, perdendo de visto os seus propósitos últimos, servir a humanidade na senda do conhecimento/esclarecimento e da melhoria das condições de vida. Trata-se de um problema multifatorial sendo que a adoção de medidas deverá ter lugar num modelo integrativo, convocando a reflexão dos diferentes agentes participantes no mercado de produção e consumo de ciência: universidades/departamentos, revistas científicas e editoras e agências de financiamento. Medidas radicais que se cinjam a um destes agentes, sejam elas fruto de auto ou heterorregulação, estarão votadas ao fracasso pois, no atual sistema de produção científica, implicarão uma diferenciação negativa, pondo em risco os índices de produtividade (e consequentemente as fontes de financiamento, a atração de investigadores, etc.).

Um outro assunto merece reflexão. Além dos problemas na concretização do sistema de revisões cegas, é necessário ter em conta o modo como em várias latitudes se assiste a verdadeiras estratégias de monopólio por parte de publicações prestigiadas. É esse o caso quando se exige que o proponente de um artigo científico cite x número de estudos/artigos presentes nessa mesma publicação (ou em publicações afins). Este tipo de estratégia é frequente em parcerias entre universidades e editoras e evidencia o problema referido de uma propensão ao formalismo em prejuízo do “conteúdo” e qualidade da ciência.

por Cláudio Alexandre S. Carvalho

Contributo para os pontos específicos:

1.1

Seria ao menos útil ter um documento de referência nacional, cujo conteúdo definiria princípios e regras aplicáveis de uma maneira geral em todas as instituições, podendo este ser estendido ou em algumas partes adaptado a cada instituição.

por Pedro Inácio (UBI)

Determinadas partes dos códigos de integridade académica deveriam ser comuns às diversas instituições de ensino superior e laboratórios de investigação. É esse claramente o caso das normas relativas à fraude, em que estão em causa a justiça e a equidade entre alunos, investigadores e professores posicionados no mesmo ramo de atividade. Assim sendo, seria desejável a uniformização de normas basilares de avaliação, habilitação/certificação e profissionalização. Outras disposições do código, porquanto traduzam as singulares valias e compromissos de cada instituição, poderão ser exclusivas.

por Cláudio Alexandre S. Carvalho

Deve ser cada Instituição de Ensino Superior, de acordo coma sua autonomia e sensibilidade, a  determinar o respetivo Código de Integridade Académica. 

por António Mendonça, UBI

Questiono-me sobre se a proliferação de códigos de conduta académica será um bom sinal. Não julgo que corresponda a uma consciencialização da importância de princípios éticos e valores, mas antes à necessidade de lidar com a respectiva inobservância, cada vez mais comum. Seria, pois, importante avaliar o poder transformador desses documentos, que intentam transfigurar a suspeita (que parecer recair sobre todos) em ética. 

Ana Leonor Morais Santos, UBI

1.2

O documento deve ter algum detalhe, sob pena de em contrário ter pouca utilidade. Contudo, dada a sua natureza construtiva, deverá evitar ser tão detalhado que pareça estar à procura da transgressão.

por Pedro Inácio (UBI)

Além dos princípios, valores e normas gerais o documento deve especificar regras e deveres específicos. De outro modo servirá apenas propósitos ornamentais sendo desacreditado num interminável rol de interpretações sem critério.

por Cláudio Alexandre S. Carvalho

Na discussão entre "conteúdo generalista, descrevendo apenas os conceitos fundamentais, ou ser documento mais detalhado", penso que o melhor será um texto objetivo que não conduza a uma ética normativa que conduza a julgamentos morais.

por António Mendonça (UBI)

1.3

Há cursos onde não existem unidades curriculares do género no primeiro ano e onde seria útil ter o documento em consideração. Sou da opinião de que o documento deveria ser breve para poder ser rapidamente lido (ou haver uma versão mais breve do documento principal) pelo destinatário numa ocasião propositada para tal.

por Pedro Inácio (UBI)

Confesso que tenho reservas quanto ao modelo de avaliação destas componentes em UC’s. Em todo o caso, a consciencialização e o incutir de competências quando aos modos justos e corretos de trabalhar devem ter lugar tão cedo quanto possível.

por Cláudio Alexandre S. Carvalho

Como professora e orientadora procuro chamar a atenção para esta questão de uma forma ampla: discutir as questões éticas e deontológicas subjacentes à fraude académica; dar informações práticas de como referenciar, leitura e análise critica de fontes teóricas e empíricas, do que é o plágio, tipos de plágio. Pessoalmente o maior desafio que estou a enfrentar neste momento é: como agir quando me deparo com situações de fraude. Sinto a falta de um posicionamento institucional consistente sobre a questão e receio que por vezes esteja a ser demasiado condescendente. Nesse sentido acho que este código poderá ser um importante suporte e poderá mesmo ser integrado nos materiais a trabalhar e avaliar em UC relevantes como pode ser o caso das metodologias de trabalho cientifico, que geralmente estão presentes em todos os cursos.

por Catarina Sales, UBI

1.4

Do meu conhecimento, neste momento o alerta é sobretudo pontual. Por regra, os alunos sabem distinguir entre a forma correta e a incorreta de trabalhar. Como referi na reflexão anterior há fatores sistémicos de incúria sistemática, stressores de produtividade e avaliação que propiciam o plágio, tanto o propositado como o “inadvertido” (caso em que estamos no limiar do conceito de fraude pois refere “má arte” sem dolo).

por Cláudio Alexandre S. Carvalho

Naturalmente que os estudantes são alertados para o plágio, mas eles têm como normal (e quase norma, desde o ensino básico) ír a sítios e copiar informação. Se fossem sistematicamente utilizadas ferramentas de deteção de plágio, o seu comportamento seria diverso... Tal como os condutores, que só cumprem os limites de velocidade, quando estão alertados para a existência de radares na estrada. 

por António Mendonça (UBI)

Penso que haverá muito trabalho a fazer para alertar os alunos sobre as várias facetas que o plágio pode ter tanto nas licenciaturas como nos mestrados. Ainda recentemente uma aluna copiou integralmente uma grelha de uma página de internet sem referir a fonte e quando foi alertada para o facto referiu que não teve noção de que o que estava a fazer era plágio. Como o António Mendonça referiu, sem "fiscalização" e consequências para o eu percurso académico, haverá sempre alunos a copiarem informação.

Ana Fonseca (UBI) 

Secretariado: Dra. Línia Saraiva 
Telefone: 275329188 (ext. 2085 (UBI) | Endereço eletrónico: forum@ubi.pt

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