As plantas, e os recursos vegetais em geral, têm desempenhado desde sempre um papel crucial na medicina. Nos meados do século XIX foram extraídos os primeiros compostos de plantas, os analgésicos do ópio, como a morfina, marcando o início da descoberta e desenvolvimento de medicamentos. Atualmente, uma parte significativa dos medicamentos existentes ainda são obtidos, direta ou indiretamente, a partir de plantas. Exemplos destes medicamentos são os anticancerígenos paclitaxel, obtido do teixo, e os alcaloides vimblastina e vincristina isolados da vinca de Madagáscar, assim como a colquicina do cólquico, usada no tratamento das crises agudas de gota, entre muitos outros. No entanto, só uma parte ínfima da flora mundial, cerca de 10%, foi estudada relativamente à sua possível atividade terapêutica, existindo todo um potencial da biodiversidade vegetal latente e que pode vir a contribuir grandemente para a melhoria da saúde e do bem-estar das populações.
Também alguns resíduos da agricultura, como os resultantes das podas ou do desbaste das videiras, representam um recurso vegetal bastante interessante que pode ser estudado de modo a obter compostos bioativos que podem ser usados nas indústrias farmacêutica, cosmética e/ou alimentar. Além do mais, a utilização destes resíduos para obtenção de produtos de elevado valor acrescentado, insere-se num conceito de economia circular que usa resíduos e recursos naturais para um desenvolvimento económico sustentável.
Neste âmbito, reunindo diferentes valências científicas, num contexto de interdisciplinaridade, um projeto em curso no CICS-UBI pretende obter moléculas com atividade anticancerígena a partir de resíduos da vinha de algumas variedades cultivadas na nossa região. Assim, juntando o conhecimento sobre o cancro existente noutro grupo do CICS-UBI à investigação que se faz no grupo de “Produtos naturais e investigação microbiana”, bem como a experiência já adquirida no tratamento dos resíduos, por parte de um parceiro da UBI na Aliança UNITA, da Universidade Savoie Mont-Blanc em França, foi proposto um projeto de doutoramento em colaboração, designado por “VITAE – Valorização dos resíduos vitivinícolas: novas abordagens para explorar as propriedades dos compostos bioativos”, o qual foi financiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia. Este projeto contou ainda com a colaboração da Adega Cooperativa do Fundão na seleção das variedades portuguesas a estudar e na recolha do material. A primeira tarefa deste projeto consistiu em extrair os compostos e efetuar a sua caracterização química, a qual já foi realizada nos laboratórios do parceiro francês, seguindo-se uma análise química complementar, bem como a avaliação da atividade biológica, nomeadamente a atividade anticancerígena para determinados tipos de cancro selecionados, ensaios realizados nos laboratórios do nosso centro de investigação, os quais estão no seu início neste momento. Pretende-se, assim, com esta investigação, reunir evidência pré-clínica significativa relativamente aos compostos encontrados, de modo a poder contribuir para o tratamento do cancro.
Ana Paula Duarte, Orientadora do projeto de Doutoramento VITAE Grupo de investigação Produtos Naturais e Investigação Microbiana do CICS-UBI
in Jornal do Fundão